quinta-feira, setembro 25, 2008

O corte

Wagner tinha 40 minutos e cabelo de 3 meses. Entrou na primeira barbearia, deparou-se um salões dos anos 40: móveis de madeiras de lei, cadeiras giratórias baixas com apoios para o pescoço, espelhos foscos. Lâminas presas aos estiletes, barbas escanhoadas à moda antiga. O única cabeleireiro livre levantou-se do fundo do salão. O preconceito sempre encontra suas vítimas desprevenidas. O senhor se arrastou até a cadeira. Tinha as mãos tortas. Uma delas tremia.

- Pensei em dizer "tenho que voltar ao escritório".

Pente de osso da década de 20 e lá vem ela, a tesoura, afiada como a mais afiada das lâminas, reluzindo a luz do salão retrô, na direção, ou quase, da nuca, num ziguezague inquestionável. E o ritual repetiu-se por nervosos 30 minutos. Ele ainda deu um retoque que Van Gogh invejaria ao lado da orelha. Exatos 40 minutos depois, penteou prum lado... desarrumou pro outro. Wagner viu num espelho dos anos 30, emoldurado, a perfeição do corte na base.

- Agora compartilho com os amigos. Foi um adeus de alguém que vence qualquer doença, vence o preconceito, luta para manter a força de viver - e vive. Um adeus que mostra que não há barreiras para a vontade humana de fazer o bem, bem feito. Na verdade, a caridade quem fez foi ele. Hoje, foi o melhor corte de cabelo da minha vida.

Recebi o texto hoje de Wagner de Assis por email, com livres adaptações minhas para o blog.

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