quinta-feira, abril 24, 2008

A internet do mal

A repórter Juliana Tiraboschi, da revista "Galileu", teve uma original idéia de matéria: "Do_ mal.com". Usando personagens fictícios, entrou na internet e durante semanas desempenhou vários papéis. Fingiu ser uma jovem deprimida à beira do suicídio, agiu como um pedófilo em busca de pornografia infantil, simulou que era uma menina ingênua assediada por adultos e passou-se por uma anoréxica procurando dicas de emagrecimento. A facilidade com que obteve cumplicidade e estímulo para comportamentos de risco ou atos criminosos a impressionou. "Decidi me matar e quero saber qual o método menos doloroso", ela escreveu, e em pouco tempo um internauta sugeriu um coquetel de medicamentos por ser "mais letal e menos doloroso". Outro aconselhou uma "overdose de barbitúrico" por sua ação rápida. Um terceiro ensinou a preparar um explosivo capaz de "te incinerar instantaneamente". Houve até quem se preocupasse com o preço. "Se fizer do jeito certo", ele alegava, "o enforcamento não é tão doloroso, além de ser barato e fácil. Só precisa uma corda".

Juliana ficou chocada. "Ninguém se mostrou perturbado, e apenas um dos meus interlocutores perguntou qual o motivo da minha decisão." Em outras comunidades, ela encontrou pessoas disseminando abertamente a violência e a intolerância, como homofobia e racismo. Uma antropóloga ouvida por ela identificou 14 mil sites de conteúdo nazista. Numa sala de bate-papo, a repórter começou a conversar com um homem de declarados 22 anos. "Eu disse que tinha 12 anos, mas meu interlocutor não se intimidou. ’Curte falar de sexo?’, continuou. ’Sou tímida’, recuei. ’Já fez sexo?’, ele insistiu. Respondi que não e perguntei se não me achava muito nova. ’Só pra gente brincar, só matar a curiosidade (...). Você me mostra algumas coisinhas, eu te mostro tudinho que você tem vontade.’ Ela concluiu que, como não há controle, "crianças de qualquer idade poderiam estar participando da conversa."

O resultado desse mergulho em zonas sombrias da internet levou a jornalista a questionar: "Onde termina a liberdade de expressão e onde começa o crime?" É bem verdade que, como ela admite, não foi a rede que inventou essas patologias; "ela apenas facilita a conexão entre as pessoas". Mas é crescente a influência do mundo virtual sobre o real. Em 2006, um jovem gaúcho de 16 anos se suicidou induzido por seu grupo de discussão a inalar monóxido de carbono. No ano seguinte, em Ponta Grossa, outro jovem se matou de forma semelhante. Nos EUA há uma infinidade de casos iguais. É um princípio de imitação que parece funcionar para os comportamentos desviantes.

Evitar que um instrumento tão útil e poderoso como a internet seja usado impunemente para promover o mal, eis uma das questões cruciais dessa nossa sociedade de informação.
O texto acima é de Zuenir Ventura e foi publicado ontem no GLOBO

Um comentário:

Anônimo disse...

O que fica claro nesse trabalho da Juliana e´que cresce cada dia mais a quantidade de pessoas que empurram a vida com a barriga, ao invés de viver, e por isso não amam a vida, e por não amarem a vida,incentivaram a reporter ao suicídio e outras coisas mais.
Como disse Zuenir Ventura: "Evitar que um instrumento tão útil e poderoso como a internet seja usado impunemente para promover o mal, eis uma das questões cruciais dessa nossa sociedade de informação".